Página 1 - Mau Começo!

-Tem cuidado caralho! – Gritou um homem após desviar-se desajeitadamente de um corpo a descer a rua em alta velocidade.
Neva nesta tarde de típico Inverno na Rússia onde incontáveis bolas de algodão escorregam pelos traços azuis do céu até cobrirem o primeiro obstáculo que lhes surgisse. Árvores, postes, pequenas ornamentações, guarda-chuvas e entre outros objetos da rua, todos eles não conseguiam regular a quantidade de neve que caía, e que ainda visava cair. É graças a esta neve que aquela rua de São Petersburgo não se encontrava tão habitada como o habitual.
O rapaz de skate cessava o seu avanço perto de um dos postes de luz semicoberto de neve, agarrando-se a ele e olhando a todo o seu redor. Inspirava e expirava vezes sem conta o ar puro e bastante fresco da cidade, tossindo posteriormente quando um carro passava bastante perto dele obrigando-o a inspirar acidentalmente a toxina expelida pelo cano-de-escape do veículo.
-Q… Que saudades da Rússia! – Pronunciou de grande agrado apesar de a sua voz ainda revelar alguma rouquice.
O rapaz possuí um cabelo espigado com a base negra e as pontas numa mistura entre amarelo, laranja e vermelho dando-lhe a imagem de que o fogo carbonizara o resto do seu cabelo pois, as laterais da cabeça encontravam-se totalmente rapadas. Naquela situação, o russo portava um leve camisola branca com uma caveira no dorso sendo esta coberta por um casaco de cabedal negro e bastante quente. A cobrir as pernas estão calças abaixo da cintura, esburacadas e esfarrapadas em diversos locais, que são seguradas por um cinto negro de dupla camada. Os pés protegem-se do frio com botas negras de couro. De resto os seus acessórios são essencialmente: brincos nas orelhas, uma pulseira negra no braço direito, anéis negros no dedo médio e mindinho e o skate aos seus pés.
Este voltou a inspirar de leve olhando para o céu azul-claro. Via a constante neve e embater contra a sua cara provocando-lhe ligeiras frieiras por todo seu semblante, abrindo depois a boca para deixar que uma bola de neve caísse-lhe na língua provando-lhe o sabor inexistente ao mesmo tempo que sentia o seu músculo a gelar. Levou logo as mãos à língua no meio de guinchos dolorosos, mas soltando uma gargalhada de seguida ao pensar o quanto maluco estava a ser.
Pressionou a ponta do skate para que as rodas do mesmo fossem contra o solo e logo aproveitou-se do balanço do outro pé dado ao rastejar no chão para que impulsionasse a tábua em frente. Encarou a descida que daí provinha sem medo agachando-se e observando uma velha que tentava subir com alguns sacos de compras nas mãos.
-Ei, tem mais cuidado! – Gritou a velhota virando-se para trás e varrendo o ar com uma bengala enquanto agoirava para o adolescente que passara a alta velocidade por ela.
O jovem continuou a descer pela rua apresentando aos seus dentes a pequena maça que havia conseguido roubar do saco da idosa. Trincando a peça de fruta, este inclinava o seu corpo, e por consequente a borda da tábua, para os respetivos lados onde gostava de direcionar-se conseguindo com grande habilidade esquivar-se das pessoas que subiam por aquela rua. A neve continuava a ir de encontro à sua cara, mas nem isso parecia querer quebrar o seu incessante avanço acompanhado por um sorriso de orelha-a-orelha. A maça voltou a ser trincada e, ao longe, o rapaz conseguia ver que a descida preparava-se para terminar.
No término da descida distinguia-se, por entre os flocos de neve e pessoas que desviavam-se dele, um poste de luz mesmo na ponta do passeio, duas passadeiras que levavam para diferentes lados da rua e, do outro lado da rua frontal, uma loja com a persiana fechada sendo que as outras ao lado encontravam-se com as persianas abertas.
-Isso não é habitual… - Pensou olhando para os seus flancos e vendo que todas as lojas davam sinais de atividade, menos a outra em particular.
Tentou abstrair-se do pensamento ao mesmo tempo que o seu pé esquerdo, o que se encontrava mais atrás por cima da tábua, descia mais um pouco até à irregularidade do skate pressionando-a para baixo para que a borracha localizada por debaixo da superfície de madeira do skate raspasse contra o solo de cimento e criasse uma travagem. Apesar de tudo não fora isso que acontecera, a borracha começava a rastejar e a velocidade diminuía de igual forma, mas algo aparecia ao longe no horizonte, uma pequena poça de água congelada no meio do passeio bloqueava o avanço de qualquer pessoa que tentava passar por ali.
-Merda, merda, merda… - Pensava o jovem russo tentando inclinar-se para o lado para desviar-se da poça esquecendo-se que ainda estava a pressionar com a borracha contra o solo.
Não conseguiu desviar-se do pequeno piso congelado e as rodas do skate logo perderam o seu rumo na superfície lisa do gelo. Devido ao nulo atrito, a velocidade do skate só aumentou tal como a descontrolo por parte do dono. A tábua percorreu o passeio em altas velocidades obrigando as pessoas a esquivas mais desesperadas até que esta pisou o primeiro decímetro do passeio. Para sorte do “skater”, estava sinal verde no semáforo que regularizava a passagem de pessoas na passadeira, portando o seu atravesso não fora com grande risco, mas o controlo sobre o veículo ainda não estava ganho.
Por fim o skate encontrou o fim da estrada, tal como a berma que o levava até ao passeio. Como o russo não tinha controlo sobre o veículo, rapidamente a ponta deste colidiu contra a berma e, por consequente, o corpo do dono projetou-se em frente tendo como obstáculo uma montra. O rapaz só teve tempo de colocar os braços à frente da cabeça e encolher o seu corpo ao máximo enquanto atravessava o vidro violentamente. Uma cortina de estilhaços formava-se ao mesmo tempo que o corpo dele ia de encontro a umas cortinas, que acabavam também por serem levadas à frente, enquanto o corpo dele embatia contra uma carpete vermelha e branca. Os estilhaços de vidro voaram por todo o canto espalhando-se por dentro e por fora da loja desorganizadamente e um buraco, do tamanho do corpo encolhido do rapaz, nas cortinas era o que caracterizava agora a loja que, anteriormente, encontrava-se fechada em plena luz do dia.
-O que foi isto? – Ouve-se uma voz grossa não muito longe do rapaz – Quem é o puto?
-Eu, eu não sei! – Respondeu outra voz masculina com um tom confuso e preocupado.
Pessoas paravam ao lado da loja a olharem para dentro vendo o corpo do adolescente inconsciente por cima da carpete. O buraco na montra e na cortina não era vulgar mas, ainda mais invulgar, era o conteúdo por dentro da loja. Todas as pessoas arregalavam os olhos, umas começavam a pegar em telemóveis tirando fotas, outras pegavam nesses mesmos telemóveis para telefonar a outras pessoas, ou então à polícia e afins.
-Merda, estão a descobrir-me! – Grunhiu a voz grossa uma vez mais aproximando-se de uma das extremidades laterais da cortina e agarrando numa manivela começando a percorrer círculo com ela ao mesmo tempo que a cortina descia ainda mais conseguindo voltar a cobrir o interior da loja – Vocês prometeram-me que vinhas sozinho, quem é este caralho? – Reperguntou a voz grossa sempre num tom ditador.
Os olhos do adolescente abriram-se de leve olhando para a primeira pessoa à sua frente, o autor da voz grossa e quem fechara agora as cortinas dando um ambiente mais escuro à escola. A primeira coisa que fez foi olhar para os lados para tentar localizar-se, mas não se via nada, das poucas coisas que distinguia-se era o homem à sua frente, e ainda assim só dava para distinguir-se o pesado casaco militar que portava com algumas medalhas no peito esquerdo e com um símbolo alemão no peito direito.
-C-calma! Eu não sei quem é este rapaz, ele não deveria de ter aparecido aqui! – Tentou a voz masculina explicar não conseguindo esconder o grande nervosismo no seu tom.
-Ele não devia de aparecer aqui, tal como nós não devíamos de estar a fazer este acordo e tal como as pessoas lá de fora não deviam de estar a ver esta loja! – Gritou o homem de casaco aumentando cada vez mais o tom de voz.
O russo pestanejava, ainda não recuperara bem os sentidos mas conseguia agora escutar vozes de múltiplas pessoas do lado de fora da loja a falar em russo dizendo inúmeras coisas. Também conseguia distinguir como o homem de casaco retirava o cinto uma pequena pistola apontando-a para o outro homem.
-C-calma, vamos com calma! Por favor, PIEDADE! – Pedia o segundo homem ao aperceber-se da ameaça que representava a pistola apontada para si.
Um silêncio total rebatera-se no local sendo quebrada pelo disparo da pistola, pela bala a perfurar o coração do segundo homem, pelo guincho agudo do morto enquanto o seu corpo jazia no chão, pelas pessoal lá foram a berrar assustadas pelo disparo da bala, pela pistola a ser recarregada e pelo cano da mesma estar agora apontada para a testa do adolescente. Os seus sentidos encontravam-se agora ao máximo quando apercebiam-se agora da arma apontada contra si.
-Russos traidores da merda. Vão morrer todos por isto! – Exclamou o homem friamente dando sinais de cumpriria o que estava a dizer.
-POLÍCIA, QUIETOS! – Gritou uma voz do lado de fora da loja enquanto baques incontáveis na porta se faziam ouvir por um policial que tentava derrubar a porta.
-O quê? – Espantou-se o homem olhando para a porta e vendo que esta aguentaria mais um pouco as autoridades dando-se ao luxo de voltar a fitar o adolescente, mas vendo-se obrigado a guardar a pistola na cintura debruçando-se à frente do jovem – Esta é a tua paga russo… - Dito isto, o homem retirou o símbolo em alemão do peito direito e colou-o às pressas no peito do adolescente por cima do casaco de cabedal, levantando-se depois e refugiando-se nas traseiras da loja.
O “skater” levantou-se e olhou ao seu redor apesar de ainda andar às voltas. Ainda não conseguia ver nada, mas rapidamente era cego quando um polícia conseguia por fim quebrar a porta e ajoelhando-se logo à entrada com a arma a percorrer todos os cantos enquanto a outra mão segurava numa lanterna que iluminava todo o local.
-QUIETO! – Vociferou ao iluminar o corpo do rapaz cegando-o ligeiramente tendo a sua arma a apontar para o seu peito – Área livre!
Outros polícias apressavam-se a entrar no local de forma organizada percorrendo todos os cantos à loja procurando por mais bandidos a não ser o adolescente que encontraram ao início. O primeiro aproximava-se do jovem agarrando-o pelos pulsos e encostando-o de peito contra a parede ao mesmo tempo que o algemava.
-Ei, eu estou inocente! – Defendia-se o rapaz apesar da força do polícia não ter diminuído.
-Sim, isso é o que todos dizem puto! – Refilou o homem virando o adolescente para ele e iluminando-lhe todo o corpo à procura de algo.
-Ei, Shakarov, olha! – Chamou um dos outros polícias para o, supostamente, chefe deles que olhava para o símbolo colado à frente do peito do adolescente – Chefe, OLHE!
Shakarov conseguiu por fim tirar a atenção de cima do rapaz e iluminar com a lanterna para o local atrás de si. Armas estranhas encontravam-se agarradas às paredes em estantes ou armários, sendo que no chão encontravam-se algumas caixas de madeira com palha por dentro e mais armas estranhas metidas lá dentro.
-Estas armas… Nunca se viu nada assim parecido, elas são… Novas? – Perguntou o polícia sem saber o que dizer perante armas tão estranhas.
-São eles… - Justificou Shakarov retirando o feixe de luz da sua lanterna de cima das armas e voltando a apontar para o peito do adolescente que estava preso contra a parede dando luminosidade suficiente para notar-se o símbolo alemão que lhe fora colado – Os Neo-Nazistas!
Todos os outros polícias permaneceram-se calados. Um deles até batera com um dos seus bastões na cabeça do rapaz levando-o à inconsciência rapidamente… A partir daí o “skater” não sabia o que se sucedera a seguir.

-Sasha Petrov, recluso número 5-7-2-9! – Ecoou uma voz dentro da sala branca enquanto o adolescente de cabelo espigado vestia um uniforme branco ao mesmo tempo que segurava um cartaz à frente da barriga com os dígitos 5729.