[T1 - Dimitri Arkavnéa] Filler 2 - Um momento para droga...

A lua continua no seu interminável brilhar à medida que a vida da cidade do Cairo era constante. Dimitri suspirava e olhava de soslaio vendo no se despertador que ainda eram cinco da manhã.
É após um segundo suspiro que o jovem russo se afasta dos seus pensamentos relacionados com o recente sonho e se adentra mais no quarto à medida que dá uma olhada geral nele. O quarto era estupidamente pequeno, um apartamento que era limitado a uma ou duas pessoas, caso estas duas fossem um casal. Onde ele se encontrava atualmente era a sala do cujo apartamento, decorada por duas camas de solteiro separadas uma da outra, completamente desfeitas e ambas inabitadas. As paredes do quarto eram essencialmente brancas sendo que em distintas zonas a parede já revelava sinais de desgaste onde a pequena película se esburacava e acabava por cair no solo ou a tinta começava a desaparecer num pedido de socorro de renovação. Essas zonas eram desajeitadamente cobertas por quadros abstratos, onde os habitantes daquele apartamento os achavam feios mas pelo menos cobriam algo ainda mais feio, ou então por fotografias em grandes dimensões dos habitantes em diversas regiões, poses e companhias. No meio de ambas as camas residia a única mesa daquela sala, tal mesa que continha um rádio antigo, cinzento e que estava sempre sintonizado no mesmo canal, uma pequena planta jovem que por vezes era esquecida de ser regada, já tendo estado cinco vezes neste ano para morrer, e um jornal do dia anterior amarrotado e esfolheado deixado no esquecimento. O solo era de mármore, igualmente branco como as paredes, e costuma estar sempre frio sendo uma regalia para os habitantes que adoram andar descalços em casa.
-Já não consigo dormir, acho que vou…
-DIMITRI! – O russo assustava-se após ouvir o seu nome num ecoante grito ao mesmo tempo que um rapaz surgia de um compartimento paralelo à sala, com os braços abertos. Dimitri concluía que este tinha acabado de sair da casa de banho devido ao som de água a escorrer e de um autoclismo a ser puxado – Ainda estás acordado Douradinho, fazes-me companhia?
-Em que Danya? – Perguntava Dimitri, ou “Douradinho” tal como era conhecido devido aos seus olhos dourados, vendo Danya a dirigir-se para outro compartimento oposto ao que acabara de sair.
Danya era um jovem russo da mesma idade que Dimitri. Ao contrário do seu colega de olhos dourados, os olhos deste eram azuis condizentes com um cabelo ruivo totalmente ondulado até chegar aos ombros. Pelo contrário as suas vestes não eram muito diferentes das vestes de Dimitri, brancas e o mais curtas possíveis. Danya tem o apelido de “Vagabundo” pelo facto de ter sido encontrado a dormir num banco no aeroporto onde Dimitri embarcara para viajar até o Egipto. Foi lá onde se conheceram, se tornaram amigos e Danya o acompanhou até à cidade do Cairo.
O último Arkavnéa afastava a porta de si com um ténue empurrão à medida que entrava no novo compartimento a passos largos, contudo hesitantes. Este novo aposento era o “Diabo” da casa. Armas de diversos pesos, formas, calibre, poder, etc, eram distribuídas, separadas e penduradas ao largo das paredes desta nova sala em pequenos ganchos que causavam momentâneas fraturas ligeiras na parede. Centímetros abaixo foram pregadas tábuas de madeira, também ao longo das paredes, que portavam inúmeras balas que correspondiam às determinadas armas que estavam agarradas mais acima, era uma forma básica de organização para que as munições não fossem trocadas. Ao centro da sala foi colocada um balcão, separado de qualquer parede, que dava pouco espaço para os residentes circularem, nesta mesa eram colocados inúmeros utensílios desde facas de combate a granadas ou a bombas de luz. Era o aposento mais valioso daquele apartamento, mas ao mesmo tempo o que levava Dimitri e os seus companheiros diretos para a cadeia.
O Douradinho olhava para Anya, este que se havia debruçado quando chegara perto o suficiente da mesa central. Nessa mesma posição este abria uma porta do balcão e inclinara-se para o interior do mesmo à procura de algo. Dimitri ficava calado, ouvia Danya a cantarolar uma música russa ao mesmo tempo que revisava todo o equipamento contido naquela sala, calculando da mesma forma os anos de cadeia que cada daquelas pecinhas lhes iam dar.
-Aqui está! – Gritou Danya de satisfação após retirar duas seringas debaixo do balcão – Sem mais nem menos fiquei cheio de pica! – Explicava o ruivo mesmo que o seu amigo não o estivesse a ouvir atentamente. Estendia uma das seringas para Dimitri, que aceitava de bom agrado – Bom, cá vai!
Sem preparação inicial ou uma troca de palavras, ambos os russos chocavam violentamente a ponta das seringas com uma das suas veias notórias nos seus braços. Depois do resíduo interior de cada uma das seringas se esgotar, ambos retiram-nas do contacto do seu corpo quase em sincronia e atiram-nos alheiamente agora que elas perderam a sua utilidade. Um momento calmo à medida que o conteúdo se espalhava pelo corpo e, o efeito ocorre, um momento de êxtase invade-lhes o corpo e ambos acabam por cair em pleno chão, o prazer aumentava e ambos se rejubilavam com aquela ilegalidade.
O despertador começara a tocar repentinamente, uma porta é aberta e um outro rapaz entra na sala e dá uma bruta pancada no topo da maquineta obrigando-a a calar-se. Debruçava-se e fintava as horas que este mostrava.
-Oito horas e estes gajos já acordaram? – Perguntava-se analisando as camas desfeitas e a porta aberta do compartimento das armas ilegais – Querem ver que se estão a comer?
O rapaz encaminhava-se para o cujo compartimento em ligeiras risos, afasta a porta com um pontapé e observa Dimitri encostado ao balcão com uma das veias do seu braço esquerdo a querer rebentar para fora e Danya encostado ao seu ombro numa situação idêntica. O rapaz suspira e bate com a palma da mão na testa, aproxima-se de ambos e abana-lhes com os corpos.
-EI! Não vos avisei para não se drogarem de manhã porra? – Gritava o rapaz aumentado sempre o seu tom de voz.
O corpo de Dimitri reage com uma pequena convulsão e os seus olhos abrem-se exibindo as suas pupilas tenuemente avermelhadas, Danya é igual. Ambos os russos olham para o rapaz com desdém, prestes a pegar numa arma daquela sala e acabar com a vida dele.
-Que foi… Galo? – Perguntava Danya numa falha tentativa de se levantar, escorregando em nada e batendo com a cabeça contra a parede abanando a tábua de madeira pregada em cima de si e, consecutivamente, abanando também a metralhadora presa mais acima – CARALHO!
Galo era o apelido que davam para o guia Egípcio de nome Amunet. Amunet também não era muito diferente dos seus amigos russos, era mais velhos dois anos, e usava as vestes iguais aos seus companheiros. O que o diferenciava era o seu cabelo preto liso e curto, e a sua barba espessa que caminhava de orelha a orelha cruzando também pelos flancos dos lábios e passando abaixo do nariz. Amunet conhecera Dimitri e Danya mal este acabara de chegar ao Egipto de avião, oferecera-se como guia deles na cidade do Cairo, mas mostrou-lhes mais depressa os bares e discotecas do que propriamente os monumentos ou outros locais importantes da cidade, e por isso os seus amigos estão lhes agradecidos.
-Se eu soubesse que vocês iriam ficar dessa forma nunca vos tinha posto nesta vida! – Gritava Amunet arrastando o corpo de Dimitri até uma das camas da sala e, posteriormente, arrastando de igual forma pregando num árabe veloz, algo que os russos não percebiam pois não ainda não estavam habituados à língua daquela região – Hoje não era o dia para retomar aquela barragem, russos?
-Ah, a barragem espera Galo! – Exclamava Danya, deitado na sua cama e remexendo-se noutra tentativa de se levantar, apesar de já saber que outra queda era o que lhe esperava.
O egípcio suspira e pega num pano que costuma estar amarrado ao cinto das suas calças, e passa-o pela testa limpando as gotas de suor que se encrustavam na sua pele morena. Depois descia-o pelo resto dos traços da sua face acumulando mais suor na superfície rugosa do utensilio. Após terminar de secar a sua cara, este volta a amarrar o pano no cinto e arrasta-se até à mesa que separava ambas as camas, ligando o rádio.
-Vamos lá ver o que nos espera hoje! – Falava entusiasmado para ninguém em particular pois Danya continuava a remexer-se como um louco preso a uma cama e Dimitri mantinha-se calado apesar do seu olhar demonstrar alguém perdido numa maré de pensamentos estranhos.
-Os sucessivos trinta graus apanhados na semana anterior são os que continuaram a acompanhar-nos em mais um dia na bela província de Cairo. Foi prevista leve precipitação para amanhã, um evento raro e, sem dúvida, bem-vindo pela população… - O rádio interrompera-se quando Amunet começara a mexer no botão de sintonia, este emitia um ruído perturbador, algo que Dimitri e Danya mostravam quando começaram a soltar insultos para o ar, tendo estes cessado quando o rádio ficara sintonizado num outro canal diferente – Os resultados da jornada de ontem para a equipa de Al-Ahly que perdeu por uma bola a zero ante a sua rival Zamalek em Cairo International Stadium. Q… - O rádio interrompera-se pela última vez quando o egípcio pressionara o botão para desliga-lo.
-Ai, ai… Vai chover e Al-Ahly perdeu… Vai ser uma semana em grande não Dimitri? – Troçava Galo sabendo que Dimitri apaixonara-se por Al-Ahly semanas depois de ter chegado no Egipto.
-Gatunos de uma merda foi o que foi! Eu ia para lá e sozinho dava uma porra de um cinco a zero a esses malditos Zamalekos! – Continuou a gritar barbaridades à medida que o tempo passava até o efeito da droga acabar.
Enquanto todo esse tempo passava, os drogados faziam coisas estranhas e incompreensíveis perante o olhar de Amunet, este que se resumia a olhar por eles, de vez em quando sintonizar de novo no rádio ou a esfolhear o jornal que lera ontem. Por fim ambos os russos apresentavam-se em melhor estado, levantavam-se das camas, hesitantes e um pouco confusos, e espreguiçavam-se.
-Muito bem, estamos prontos para ir para a barragem senhores? – Perguntava o egípcio fechando e atirando com o jornal para cima de uma mesa recebendo sorrisos de aprovação pela parte dos companheiros, agora um pouco mais sanos.